segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

A sociedade portuguesa: um retrato: igualdade e conflito II


A sociedade portuguesa: um retrato: igualdade e conflito II



Com as mudanças no universo feminino, da entrada da mulher na vida activa, o direito ao voto e ao divórcio, a igualdade face ao homem perante a lei vieram também tantas outras transformações. Uma sociedade anteriormente patriarcal, dominada pelos homens, acabou por se abrir ao mundo das mulheres e da sua influência e capacidade.


A pílula foi uma das grandes influências para esta liberdade feminina, com ela, as mulheres passaram a poder controlar a sua natalidade e alcançaram a liberdade sexual em igualdade com os homens. As mulheres estão cada vez mais autónomas e a conquistar o seu lugar num mundo anteriormente masculino.


Um clima permissivo está criado: a cultura jovem instalou-se e os divertimentos nocturnos têm lugar de destaque. Em qualquer parte do país, interior ou litoral, cidade ou campo, os bares e discotecas proliferam e estão acessíveis a todas as pessoas.


O novo papel das mulheres e dos jovens alterou por completo as relações familiares.
Os jovens foram os mais beneficiados com estas mudanças, já nasceram numa época de prosperidade e liberdade. Desconhecem o que era o país há 30 anos atrás. Actualmente podem votar e atingem a maioridade aos 18 anos. Não precisam de ir para a tropa, nem tão pouco para a guerra e usufruem da escola durante muito tempo.


Adquiriram uma nova posição na sociedade e na família. Falam aos adultos, em geral, com menos reverência que no passado e põem constantemente a autoridade dos pais em causa. As refeições que, no passado, eram o momento de reunir a família deixaram de o ser.


Os almoços de família não existem, pois os pais trabalham fora e os jantares muitas vezes não se proporcionam, porque os filhos ficam até mais tarde com os amigos ou porque, mesmo em casa, estão entretidos com a televisão, a internet ou os jogos de computador.


O desenvolvimento da classe média esbateu os excessivos contrastes entre classes sociais. Nas últimas décadas a vida de todas as classes melhorou, em geral, mas não podemos negar que a diferença entre pobres e ricos, em Portugal, é a maior de toda a Europa e tem aumentado.


Em relação aos movimentos sociais, hoje são realmente pouco visíveis. Nos primeiros anos da democracia a situação politica e social favoreceu o aparecimento de conflitos e tensões sociais que desembocavam em manifestações, protestos, paralisias, cortes de estradas, ocupações de casas, empresas e propriedades.


Dos anos oitenta em diante estas reivindicações e conflitos diminuíram. As greves, geralmente limitadas ao sector público, são hoje raras. A insegurança face á crise económica, a maior facilidade de despedimento, a privatização das empresas e a concorrência dos imigrantes estrangeiros contribuem muito para a redução da conflitualidade.


Os sindicatos e organizações sociais têm hoje menos força e são menos combativos que há trinta nãos atrás. Também o número de trabalhadores sindicalizados é muito inferior. A realidade é que em muitas empresas os trabalhadores e a entidade patronal chegam a acordo, o que evita qualquer espécie de conflito conducente a greves ou manifestações de outro cariz.


É também inegável que continua a existir um clima de desconfiança entre classes e o mais poderoso factor de desigualdade é o favoritismo e o desprezo pelo mérito. O atraso económico e a ditadura fizeram com que chegasse até nós a sensação que todos se conhecem e que todos trocam favores entre si.


O desenvolvimento de clientelas partidárias substituiu o antigo favoritismo. A confiança politica, como critério de nomeação de altos funcionários e de postos de chefia alimenta este clientismo.


A corrupção nas instituições é evidente mas a burocracia e os métodos antiquados de gestão não ajudam a que esta termine. Formalmente estão criados os mecanismos para evitar esta situação, mas a sociedade e a politica sempre souberam virar o jogo a seu favor e o sistema judicial contribui poderosamente para que este sistema de favoritismo e compadrios se mantenha.


Há quarenta anos a autoridade não se discutia, fosse ela do pai, do patrão, do professor, do padre ou do marido. Quem tinha poder exercia-o e era obedecido, nem que fosse pela força.


Houve um nítido progresso nas liberdades individuais dos portugueses e na igualdade social. Mas continuam a existir factores de desigualdade muito fortes e que precisam de ser resolvidos ou atenuados. Afinal, há ainda tanto que fazer neste país. As elites são incultas e incompetentes, a sociedade civil é fraca e o desânimo começa a ser generalizado. Há ainda muito que mudar, sem deixar abrandar o ritmo de mudança que se iniciou há umas décadas atrás. Portugal e os portugueses assim o esperam!


Fonte: A Sociedade Portuguesa: Um Retrato – António Barreto – Associação Portuguesa de Seguradores, Museu do Oriente, Lisboa, 8 de Outubro de 2008



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