Este artigo foi escrito em 1985 para nosso grande espanto, visto que mantém toda a sua actualidade temática. Por vezes parece que Portugal parou no tempo....
TAP obrigada a ter lucros - 1985
Fui há dias surpreendido, num dos noticiários, com a reportagem da assinatura de um acordo entre a TAP e o Ministério do Equipamento Social.
Mantendo a prevenção de que as palavras utilizadas possam não corresponder rigorosamente à verdade dos factos, eis o que apurei:
1 A TAP assinou um acordo com o Estado no qual, este fica obrigado a ajudar, financeiramente, a empresa.
2 – O Conselho de Gestão ficou obrigado a apresentar lucros.
3 – Os membros do Conselho de Gestão terão um prémio sobre os lucros apresentados.
Em face destas informações recordei-me de que em 1980 um dos acontecimentos marcantes, no que respeita às empresas públicas, foi o ASEF – Acordo de Saneamento Económico e Financeiro – da TAP.
Lembro-me de ter ouvido, na altura, um membro do Governo citar a TAP como um exemplo, uma conquista e uma esperança.
Quase cinco anos depois estamos, de novo, a tomar a TAP como um exemplo de esperança, desta vez com esta característica aliciante: a obrigatoriedade de ter lucros.
Não vejo necessidade de acrescentar mais comentários ao que disse. Deixo aos leitores a liberdade de formularem os seus juízos sobre a matéria mas não resisto à tentação de contar um episódio pitoresco ocorrido, algures, num país do terceiro mundo.
Numa grande obra da construção civil uma empresa portuguesa contratou mão-de-obra local para complementar os engenheiros e operários especializados portugueses. Um dia caiu um andaime e nesse acidente morreram alguns trabalhadores locais. Gente habituada a trabalhos rurais não sabia que se morria em obras de construção civil.
A população local, irada, responsabilizou os técnicos portugueses pela morte dos seus conterrâneos e não foi fácil acalmar essa ira. Houve necessidade de recorrer a uma unidade do Exército para garantir a segurança das pessoas e das instalações.
O Governador da Região, conhecedor das suas gentes, promoveu então uma reunião com os engenheiros e os chefes de clã mais importantes da região e foi muito claro na sua intervenção.
Disse aos seus concidadãos que o acidente era intolerável e que os engenheiros portugueses estavam, a partir desse momento, rigorosamente proibidos de ter mais acidentes.
Claro que os engenheiros se quiseram manifestar com o intuito de fazer compreender a todos que os acidentes devem evitar-se mas que não dependiam da sua vontade. Mas alguém próximo do Governador e que assistia à reunião segredou-lhes “ Não digam nada, esta conversa é só para sossegar o pessoal”.
Os mecanismos de associação de ideias são realmente muito singulares. Quando ouvi anunciar que a TAP estava obrigada ter lucros, lembrei-me do Governador que proibiu os acidentes só para sossegar o pessoal.
O cidadão estupefacto, 1985
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