quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

A sociedade portuguesa: um retrato: as consequências da rapidez das mudanças


A sociedade portuguesa: um retrato: as consequências da rapidez das mudanças sociais



A rapidez com que as mudanças sociais ocorreram em Portugal teve consequências variadas. Quando certos tipos de mudanças sociais não são previamente planeados, não ocorrem de forma gradual e quando não têm tempo de se consolidarem e sedimentarem, as consequências podem ser muito diferentes do que ocorreria em processos de mudança mais longos.


É o caso da educação. O crescimento demográfico nas escolas e a expansão do sistema fizeram-se sem qualquer tipo de planeamento ou ordenação. A falta de professores qualificados, a ausência de planos de desenvolvimento, edifícios, laboratórios, tradições escolares, meios de transporte e organização da rede escolar.


As escolas superiores e as universidades cresceram muito depressa e foi necessário construir à pressa, contratar docentes, criar instituições e estabelecer “numerus clausus”depois de se depararem com o excesso de alunos.


O resultado foi desastroso: a má qualidade do ensino, cursos e diplomas desqualificados, desperdício de recursos, multiplicação de cursos e instituições, investigação deficiente e defeituosa ligação das escolas à sociedade e às empresas.


As taxas de insucesso e de abandono escolar são muito elevadas em Portugal, os resultados são fracos, colocando os portugueses nos últimos lugares nos inquéritos internacionais.


Outros sectores foram influenciados negativamente pelas mesmas razões como é o caso da Justiça, da Saúde, da Administração Pública Central e Autárquica. A rapidez e a evolução da procura não foi mais rápida que a qualidade e rapidez da oferta. É raro o sector da vida colectiva onde os cidadãos não têm de esperar para ser atendido, ou ver os seus processos, pedidos e requisições arrastarem-se por anos nas instituições.


Curiosamente, nem podemos alegar falta de recursos humanos e profissionais, uma vez que na educação há mais professores por aluno que na maioria dos países europeus.


Na saúde pública o número de médicos ronda as médias europeias e é superior aos de outros países com excelentes serviços de saúde pública. Na Justiça, o número de magistrados e outros profissionais é superior ao de muitos países europeus.


Portugal tem uma evidente e grave falta de organização e de eficiência nos serviços que presta! Enquanto os recursos humanos, mais que suficientes, não se organizarem e começarem a prestar um bom serviço aos cidadãos, os nossos serviços públicos figurarão sempre nos últimos lugares das médias europeias.


A realidade é que o país se encontrava demasiado atrasado face à Europa e de repente ultrapassou passos importantes, teve uma evolução demasiado rápida para o que estava preparado.


Acreditamos que ainda estamos a tempo de reorganizar a saúde, a educação e a justiça, agora que o ritmo de modernidade abrandou é tempo de reorganizar modificar o sistema na tentativa de o tornar mais eficaz e útil para a satisfação dos seus cidadãos e do próprio país.



Síntese do artigo: A Sociedade Portuguesa: Um Retrato – António Barreto – Associação Portuguesa de Seguradores, Museu do Oriente, Lisboa, 8 de Outubro de 2008
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segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

A sociedade portuguesa: um retrato: igualdade e conflito II


A sociedade portuguesa: um retrato: igualdade e conflito II



Com as mudanças no universo feminino, da entrada da mulher na vida activa, o direito ao voto e ao divórcio, a igualdade face ao homem perante a lei vieram também tantas outras transformações. Uma sociedade anteriormente patriarcal, dominada pelos homens, acabou por se abrir ao mundo das mulheres e da sua influência e capacidade.


A pílula foi uma das grandes influências para esta liberdade feminina, com ela, as mulheres passaram a poder controlar a sua natalidade e alcançaram a liberdade sexual em igualdade com os homens. As mulheres estão cada vez mais autónomas e a conquistar o seu lugar num mundo anteriormente masculino.


Um clima permissivo está criado: a cultura jovem instalou-se e os divertimentos nocturnos têm lugar de destaque. Em qualquer parte do país, interior ou litoral, cidade ou campo, os bares e discotecas proliferam e estão acessíveis a todas as pessoas.


O novo papel das mulheres e dos jovens alterou por completo as relações familiares.
Os jovens foram os mais beneficiados com estas mudanças, já nasceram numa época de prosperidade e liberdade. Desconhecem o que era o país há 30 anos atrás. Actualmente podem votar e atingem a maioridade aos 18 anos. Não precisam de ir para a tropa, nem tão pouco para a guerra e usufruem da escola durante muito tempo.


Adquiriram uma nova posição na sociedade e na família. Falam aos adultos, em geral, com menos reverência que no passado e põem constantemente a autoridade dos pais em causa. As refeições que, no passado, eram o momento de reunir a família deixaram de o ser.


Os almoços de família não existem, pois os pais trabalham fora e os jantares muitas vezes não se proporcionam, porque os filhos ficam até mais tarde com os amigos ou porque, mesmo em casa, estão entretidos com a televisão, a internet ou os jogos de computador.


O desenvolvimento da classe média esbateu os excessivos contrastes entre classes sociais. Nas últimas décadas a vida de todas as classes melhorou, em geral, mas não podemos negar que a diferença entre pobres e ricos, em Portugal, é a maior de toda a Europa e tem aumentado.


Em relação aos movimentos sociais, hoje são realmente pouco visíveis. Nos primeiros anos da democracia a situação politica e social favoreceu o aparecimento de conflitos e tensões sociais que desembocavam em manifestações, protestos, paralisias, cortes de estradas, ocupações de casas, empresas e propriedades.


Dos anos oitenta em diante estas reivindicações e conflitos diminuíram. As greves, geralmente limitadas ao sector público, são hoje raras. A insegurança face á crise económica, a maior facilidade de despedimento, a privatização das empresas e a concorrência dos imigrantes estrangeiros contribuem muito para a redução da conflitualidade.


Os sindicatos e organizações sociais têm hoje menos força e são menos combativos que há trinta nãos atrás. Também o número de trabalhadores sindicalizados é muito inferior. A realidade é que em muitas empresas os trabalhadores e a entidade patronal chegam a acordo, o que evita qualquer espécie de conflito conducente a greves ou manifestações de outro cariz.


É também inegável que continua a existir um clima de desconfiança entre classes e o mais poderoso factor de desigualdade é o favoritismo e o desprezo pelo mérito. O atraso económico e a ditadura fizeram com que chegasse até nós a sensação que todos se conhecem e que todos trocam favores entre si.


O desenvolvimento de clientelas partidárias substituiu o antigo favoritismo. A confiança politica, como critério de nomeação de altos funcionários e de postos de chefia alimenta este clientismo.


A corrupção nas instituições é evidente mas a burocracia e os métodos antiquados de gestão não ajudam a que esta termine. Formalmente estão criados os mecanismos para evitar esta situação, mas a sociedade e a politica sempre souberam virar o jogo a seu favor e o sistema judicial contribui poderosamente para que este sistema de favoritismo e compadrios se mantenha.


Há quarenta anos a autoridade não se discutia, fosse ela do pai, do patrão, do professor, do padre ou do marido. Quem tinha poder exercia-o e era obedecido, nem que fosse pela força.


Houve um nítido progresso nas liberdades individuais dos portugueses e na igualdade social. Mas continuam a existir factores de desigualdade muito fortes e que precisam de ser resolvidos ou atenuados. Afinal, há ainda tanto que fazer neste país. As elites são incultas e incompetentes, a sociedade civil é fraca e o desânimo começa a ser generalizado. Há ainda muito que mudar, sem deixar abrandar o ritmo de mudança que se iniciou há umas décadas atrás. Portugal e os portugueses assim o esperam!


Fonte: A Sociedade Portuguesa: Um Retrato – António Barreto – Associação Portuguesa de Seguradores, Museu do Oriente, Lisboa, 8 de Outubro de 2008



A sociedade portuguesa: um retrato: igualdade e conflito I


A sociedade portuguesa: um retrato: igualdade e conflito I


É inegável que de 1960 até agora vivemos um período de desenvolvimento. Foram quarenta anos nos quais todas as classes sociais viram melhorar o seu conforto e a sua qualidade de vida.


O rendimento médio das famílias aumentou seis vezes, as mulheres começaram a trabalhar fora e todos passaram a comer melhor. Embora a crescente crise económica tenha tendência a alterar esta situação, a realidade é que, até então, muitos portugueses passaram a viver melhor.


No princípio dos anos 60 muitas pessoas passavam ainda fome e não são raros os relatos que nos chegam de uma pobreza generalizada nas famílias, maioritariamente numerosas, as quais comiam essencialmente pão ou produtos que produzissem nas suas hortas.


A carne era inacessível e o peixe consumia-se do mais barato e com muita sorte apenas uma vez por semana. Era frequente as crianças e os adultos consumirem álcool logo de manhã, pois era uma fonte de calorias para trabalhar em lugares que exigiam um elevado esforço físico.


Para os trabalhadores rurais a principal refeição do dia era uma espécie de sopa espessa, ou rancho acompanhado com broa ou outro pão. O leite não era um produto acessível a todos, com excepção daqueles que possuíam animais e daí retiravam o seu leite.


Nesta época mais de metade das casas não possuíam sistema de esgotos, tão pouco electricidade ou sanitários ou água canalizada. Em média, uma em cada cinco casas tinha banho e dois terços do total não tinham água canalizada.


De 1970 a 1990 muitos foram os esforços engendrados pelo Estado e pelas autarquias na construção destas infra – estruturas. Actualmente, a maioria das pessoas tem água, luz, gás e casa de banho.


Com a melhoria das condições de vida também o uso dos electrodomésticos se generalizou. Primeiro apareceu a televisão, o fogão, o telefone e o frigorifico. Depois, o aquecimento, a arca frigorifica, a máquina de lavar roupa, a aparelhagem de som e o aspirador. Mais tarde o computador, o vídeo e leitor de DVD, a máquina fotográfica, a máquina de lavar louça e o microondas.


Actualmente dois terços das famílias têm automóvel e são proprietárias da casa onde vivem. Nos anos setenta esta percentagem era uma minoria. Nos anos 70 mais de metade do orçamento era para alimentação, hoje é cerca de 20 a 30% sobrando mais dinheiro para outros gastos de consumo como o vestuário, a habitação, a educação e a cultura.


É contudo, inegável, que o que as famílias hoje gastam por mês é bem superior aos seus rendimentos. As poupanças familiares foram diminuindo, o consumo foi crescendo, estimulando o crédito fácil. Isto foi conducente ao endividamento das famílias, o que constitui um problema grave para a sociedade.


Nestas últimas décadas assistiu-se à criação de uma sociedade de consumo. Construíram-se centros comerciais e grandes superfícies que recebem por dia milhões de pessoas.


Também foi nesta altura que muitos portugueses começaram a fazer férias fora de casa. Primeiro em Portugal, depôs na Europa e também noutros continentes. Longe vão os tempos em que uma percentagem significativa da população nunca tinha visto o mar. Mas esta possibilidade só chegou com a modernização dos costumes e a melhoria das condições económicas dos portugueses.


A abertura ao mundo trouxe cultura, aumentou a oferta e cresceu o público, acabou a censura. Por todo o país sucedem-se os concertos de música, a televisão tirou o público dos cinemas, no teatro assistiu-se à proliferação das Companhias de teatro, bem como as sessões teatrais, mas em contrapartida quase se deu o desaparecimento do teatro de revista.


Os museus continuam a ser pouco frequentados, mas por outro lado, os espectáculos de música clássica aumentaram, bem como o número de espectadores. Em relação à leitura, Portugal continua a apresentar baixos índices de leitura de livros e jornais. Há mais títulos hoje, mais traduções e mais edições de jornais que há trinta anos atrás, mas as tiragens continuam muito reduzidas com excepção dos jornais desportivos e da imprensa dita “cor-de-rosa”.


Ao contrário dos países europeus, em Portugal a leitura não faz parte da cultura popular. Em média, um português lê um livro por ano. Felizmente, este fenómeno também está a mudar e, embora os grandes mestres da literatura não sejam os eleitos da população, a realidade é que se começa a ler cada vez mais no nosso país.


Esta realidade é, contudo visível, essencialmente a uma parte da classe média e da classe alta. O meio de comunicação, por excelência, em Portugal, continua a ser a televisão. Em média, cada português vê 4 horas de televisão por dia, um número bastante superior à média europeia. É o meio de comunicação favorito de todas as classes sociais, sem excepção.


Fonte: A Sociedade Portuguesa: Um Retrato – António Barreto – Associação Portuguesa de Seguradores, Museu do Oriente, Lisboa, 8 de Outubro de 2008

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

A Sociedade Portuguesa: Um retrato – uma sociedade onde paira a incerteza



A sociedade Portuguesa: um retrato – uma sociedade onde paira a incerteza


Portugal assistiu a um forte crescimento económico nas décadas de sessenta e setenta que criou oportunidades únicas e foi conducente à criação de empresas e negócios. Estas empresas cresceram, contudo, sem bases suficientes de capital, tradição, experiência, organização de produção, regras de comportamento entre patrões e empregados, contribuindo para que este crescimento económico assentasse, essencialmente, na mão-de-obra barata.


Portanto, perante um período de crescimento económico, a nação não perde os seus valores, mas as mudanças sociais foram visíveis e inegáveis. Prevalece, contudo, um espírito tipicamente português, bastante prejudicial: o sentimento de atraso face a outros países europeus; a obsessão com a comparação com outros povos mais desenvolvidos; a sensação que Portugal foi noutros tempos um grande país e uma nação muito desenvolvida, a sombra eterna dos descobrimentos portugueses.


Dos anos sessenta aos noventa, as mudanças foram muitas e positivas. Portugal melhorou e cresceu. No entanto a partir de meados da década de noventa, surgiram regressões, estagnações, abrandamento e esgotamento e o sentimento geral da população é agora de desânimo face ao marasmo em que o país se encontra, sem perspectivas de futuro e com um presente cada vez mais difícil.


Quem conheceu tempos melhores e viveu ritmos de progresso significativos sente-se agora ameaçado pelo abrandamento e estagnação do país, tendo receio de perder o que alcançou. O sentimento de incerteza face ao futuro do país é cada vez maior e gera um desânimo generalizado.


Realmente, se nos compararmos com grande parte dos países europeus, recuperámos bastante o atraso, mas continuamos ainda muito longe de adquirir o bem – estar dos mesmos. Este atraso pode e tem tendência para aumentar: continuamos a ser um país pequeno e periférico, cheio de oportunidades desperdiçadas.


Os portugueses caíram num estado de desânimo. Muitos viveram trinta ou quarenta anos muito positivos, durante os quais tudo mudou e melhorou. Outros já nasceram depois da década de sessenta, a maior parte nunca terá ideia real das mudanças que o país atravessou. À euforia do crescimento, seguiu-se a dúvida sobre um futuro cada vez mais incerto.


A estabilidade social e económica era quase que um dado adquirido. Vivia-se e morria-se onde se tinha nascido, pobre, rico ou classe média, a imutabilidade da condição de vida era quase garantida. A expectativa era de viver como se tinha nascido, como eram os seus pais e os seus avós.


Já não se passa o mesmo. A economia, a concorrência, as comunicações, as infra – estruturas e a democracia destruíram estas certezas. Desenvolveu-se a mobilidade social e espacial.


Actualmente a segurança perdeu-se. Ninguém está seguro do seu emprego, da sua habitação ou dos seus bens. Ninguém sabe como será a velhice, quanto serão as reformas e quando, nem sequer se as reformas estão completamente asseguradas para as sucessivas gerações que se forem reformando.


Em suma, cresceu a dúvida e a incerteza face ao futuro do país e as perspectivas não são as melhores. Depois de décadas de crescimento o país tem assistido a um marasmo geral e até um acentuado abrandamento do crescimento outrora observado. A descrença num futuro melhor é geral. Apesar disso os portugueses continuam a querer estar equiparados aos países mais ricos. A falta de estruturas para tal é que é um grande entrave e, mais uma vez, o sentimento de incerteza cresce.



Síntese do artigo: A Sociedade Portuguesa: um retrato, de António Barreto – Associação Portuguesa de Seguradores, Museu do Oriente, Lisboa, 8 de Outubro de 2008



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sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

A sociedade Portuguesa: um retrato: a evolução da cidadania nas últimas quatro décadas - II


A sociedade Portuguesa: um retrato: a evolução da cidadania nas últimas quatro décadas - II


A integração da mulher na população activa e o acesso ao estatuto de cidadã em termos de igualdade com os homens foi um dos mais importantes traços destas nova sociedade. Nos anos 60, as mulheres representavam cerca de 15% da população e são hoje cerca de 50% da população portuguesa.


São as mulheres que estão em maioria nas escolas e universidades, na Administração Pública, nos serviços, na agricultura e na saúde. Cerca de dois terços dos diplomas de ensino superior anualmente obtidos vão para as mulheres.


As mulheres têm agora acesso a todas as profissões e a igualdade de sexos está assegurada pela lei. Apesar disto, a igualdade nem sempre acontece e continuam a existir áreas exclusivamente masculinas como no poder politico e na alta administração de negócios, mas a mudança continua em curso e esperemos que com o tempo também estas exclusões terminem.


Na família, apesar dos inúmeros progressos, a mulher acumula agora dois cargos: além do emprego fora, continua com a gestão da organização doméstica e da educação dos filhos, sobretudo no acompanhamento destes e nas tarefas regulares e repetidas extra – escolares.


Nestes últimos trinta anos também o sistema de Justiça mudou: aumentaram os processos em tribunal, assim como o número de magistrados e advogados. Impôs-se uma nova forma de resolver conflitos isto porque uma nova mentalidade dos portugueses face aos seus direitos leva-os a recorrer à justiça e abandonar os reflexos de justiça privada, de vingança pessoal ou de mera submissão face a uma situação de conflito.


Contudo, na Justiça nem tudo é tão optimista. O sistema judicial teve dificuldades em adaptar-se à mudança da sociedade e os processos são arrastados durante muito tempo, a justiça é cara e muitos processos nem chegam a ser julgados. A desorganização dos sistema é notória, os juízes existem em excesso, mas são pouco metódicos, e os processos demoram anos a ser resolvidos quando o são.


Este sistema judicial com graves falhas leva a que muitos cidadãos desistam ou nem cheguem a recorrer aos tribunais em situação de conflito, impedindo assim os portugueses de exercer os seus direitos por incompetência do sistema de Justiça.


Marcada excessivamente pelo poder dos corpos profissionais e caracterizando-se como um sistema fechado á sociedade, a justiça portuguesa tem resistido à mudança e á modernização. Os sucessivos governos têm-se mostrado incapazes de mudar o sistema e têm revelado receio de intervir deixando a justiça entregue a si própria. Esta factor é um dos principais opositores do nosso pais à plena realização da cidadania proclamada na Constituição.


Síntese do artigo: A Sociedade Portuguesa: Um Retrato – António Barreto – Associação Portuguesa de Seguradores, Museu do Oriente, Lisboa, 8 de Outubro de 2008


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A sociedade Portuguesa: um retrato: a evolução da cidadania nas últimas quatro décadas - I




A sociedade Portuguesa: um retrato: a evolução da cidadania nas últimas quatro décadas - I


Nos anos 60 os portugueses não tinham os mesmos direitos que a maior parte dos europeus. A liberdade de expressão e de pensamento era muito limitada, poucos tinham acesso á escola, as mulheres tinham menos direitos que os homens, o direito ao divórcio era negado à maioria, as associações e os sindicatos não podiam eleger livremente os seus dirigentes e as policias representavam mais um papel de vigilância e opressão que de segurança dos cidadãos.


Nesta altura, um pobre respeitava um rico, mas o inverso nem sempre acontecia. A maior parte dos analfabetos e das mulheres não podiam exercer o seu direito de voto em eleições, que de qualquer maneira, não eram livres nem democráticas. A liberdade individual e os direitos fundamentais estavam limitados pela lei e pela polícia.


Felizmente, Portugal fez um longo e positivo percurso de cidadania. Ao longo destas quatro décadas os portugueses viram consagrados os direitos fundamentais, as liberdades públicas foram fundadas e a democracia foi instaurada.


Acabaram-se as perseguições por motivos de pensamento, associação ou expressão. Perante a lei, todos, sem excepção, passaram a merecer respeito e protecção. Todos passaram a ter direito de voto e foi instaurado um novo contrato social que exige a igualdade de condição.


Que aconteceu então neste curto espaço de tempo para que tantas mudanças ocorressem? Entre 1960 e 1974 Portugal conheceu o mais espantoso crescimento económico da sua história.


Criou emprego, distribuiu rendimentos e gerou oportunidades. Cresceram as classes médias e as expectativas de ascensão na vida. Milhares de estrangeiros começaram a passar férias no nosso país. A adesão de Portugal à EFTA trouxe investimento, novas indústrias e uma outra maneira de trabalhar modificou o comércio e o consumo.


Outros factores intervieram nestas alterações da sociedade portuguesa: o Concilio Ecuménico Vaticano II, a televisão, a música pop, o cinema e o Maio de 68 tiveram também o seu peso. Apesar de existir uma sociedade ainda muito controlada, as mudanças infiltravam-se nas pessoas.


Tudo isto era contrariado por um país que se encontrava em guerra. Todos os anos milhares de jovens partiam para África e viam adiados os seus projectos de constituir família, comprar casa, estudar e subir na vida, no mínimo por dois anos. Por irónico que seja, na guerra alcançou-se a liberdade. Nas Forças Armadas não havia ricos nem pobres, apenas camaradas, aqui se esbatiam quaisquer diferenças sociais e se criaram laços de solidariedade.


A dada altura os próprios militares começaram a duvidar da natureza da guerra que travavam, sentiram a necessidade de mudança e aqui nasceram as raízes da ideia da democracia.


A revolução de 1974 é o resultado das mudanças que ocorreram na sociedade de 1960 até 1974. A partir desta data todos passaram a ter o direito de participar na vida colectiva e a todos foram reconhecidos os direitos sociais à educação, à saúde, à justiça e à segurança. Pela primeira vez a Constituição englobou todos os cidadãos: monárquicos, republicanos, democratas, socialistas, comunistas, fascistas, etc.


Com a mudança de regime a estrutura do poder foi alterada e a autoridade passou a ser passível de discussão. O poder politico passou então a ser limitado pela lei e pela primeira vez na história portuguesa, o poder autárquico é integralmente eleito.


Síntese do artigo: A Sociedade Portuguesa: Um Retrato – António Barreto – Associação Portuguesa de Seguradores, Museu do Oriente, Lisboa, 8 de Outubro de 2008


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quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

A Sociedade portuguesa: um retrato: uma sociedade plural


A sociedade portuguesa: Um retrato: uma sociedade plural


Portugal foi durante muito tempo uma sociedade tradicionalmente unitária e muito homogénea. Em poucas décadas, a sociedade abriu-se e passou a caracterizar-se pela pluralidade.


Coexistem no nosso país várias etnias, falam-se diversas línguas, as religiões e os cultos são variados. O multiculturalismo começou a ser uma realidade não só devido aos imigrantes mas também por via das influências culturais externas, oriundas de países europeus e americanos. A cultura e o consumo de massas, assim como a integração europeia, reforçam esta pluralidade.


Já não existe entre nós o conceito de uma pátria, um deus, uma família! Os portugueses são hoje mais diversos, já não há católicos mas também islamistas, hindus, judeus, ortodoxos, protestantes, testemunhas de Jeová, entre outros. Todos têm direito a ter os seus templos, os seus deuses e a sua maneira de rezar.


Os portugueses já não são só brancos europeus, são também negros, mestiços ou amarelos; muitos nasceram em França ou na Alemanha, filhos de emigrantes, ou em Angola e Moçambique, filhos ou netos de colonos.


Por todo o lado já não se fala apenas português, fala-se o inglês dos turistas, o francês dos emigrantes, o brasileiro, o ucranianos, o russo ou o crioulo, o mandinga ou o choza, o chinês ou o timorense.


Onde outrora predominavam os homens, hoje preponderam as mulheres: nas fábricas, nas universidades, nos empregos, nas Forças Armadas, nos cafés, á noite nas ruas e nos bares.


Na vida política todas as opiniões existem e são válidas e livres. Podem ser de conservadores, reformistas, revolucionários, progressistas, anarquistas ou reaccionários. Podem ser de crentes ou de ateus, pode-se defender o Estado ou a iniciativa privada, o socialismo ou o capitalismo.


As comunidades deixaram de viver fechadas sobre si mesmas uma vez que as pessoas se deslocam com facilidade a outros locais. Ao contrário do que se passava há 50 anos atrás, muitas pessoas casam com gente de outros lugares e não forçosamente da mesma terra.


Os portugueses diversificaram-se e misturaram-se: as distâncias encurtaram, chegando-se facilmente a qualquer sítio. O país está aberto a si mesmo graças á evolução das estradas e auto – estradas, em pouco tempo se atravessa o país de uma ponta à outra.


Já antes da chegada maciça dos “retornados” e dos imigrantes se tinham verificado pressões sociais e culturais no sentido do pluralismo e de um desejo expresso de abertura por parte da população.


Os estrangeiros em Portugal trouxeram novas culturas e costumes e isto já se observava nos anos sessenta e setenta com a chegada de turistas estrangeiros ao nosso país. Com esta mudança os portugueses começaram a aprender a viver com a diferença, a socializar com o outro.


Também na política o pluralismo se instalou. A existência de vários partidos e a competição eleitoral são prova disso. Há também pluralismo cultural. A expansão da cultura de massas, com o grande contributo da televisão, da música pop e do cinema, consolidou o pluralismo o qual Portugal estava aberto a aceitar.


Actualmente podemos adquirir roupa vinda de qualquer país e ler jornais periódicos estrangeiros. Podemos ver cinema chinês ou indiano, frequentar exposições de arte oriental, frequentar discotecas africanas e comer em restaurantes de todo o mundo. Tudo isto era praticamente impossível há trinta anos atrás.


A nível social também o pluralismo se observa, isto porque a sociedade portuguesa está menos polarizada. No início da década de sessenta a classe média era reduzida e pouco diversificada.


As classes dirigentes também eram de reduzida dimensão e pouco variadas. As classes operárias vinham do início do século mas eram muito concentradas, localizadas e minoritárias. A maior parte da população vivia em meio rural ou quase rural (cerca de 70%) e encontrava-se dispersa e sem unidade.


A situação actual é diferente. As classes dirigentes alargaram as suas dimensões e a classe média generalizou-se pelo país, embora se encontre novamente em decréscimo, a realidade é que é desta classe média que vieram novos interesses para o país, aumentou a sua instrução, e os seus conhecimentos consolidaram as suas aspirações.


Em suma, actualmente temos um pluralismo social, religioso, étnico e cultural.


Síntese do artigo: A Sociedade Portuguesa: Um Retrato – António Barreto – Associação Portuguesa de Seguradores, Museu do Oriente, Lisboa, 8 de Outubro de 2008
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terça-feira, 26 de janeiro de 2010

A Sociedade portuguesa: um retrato: de uma sociedade rural para uma sociedade urbana


A Sociedade portuguesa: um retrato: de uma sociedade rural para uma sociedade urbana



Estas quatro décadas foram também anos de uma acelerada urbanização. As pessoas adquiriram poder de compra, a banca expandiu-se e com estes subiu o número de carros no país.


As pessoas migraram para as cidades e milhares de pequenas aldeias e localidades foram praticamente abandonadas, tendo-se registado um agrupamento populacional denso nas pequenas cidades e nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.


Em consequência deste êxodo rural para as cidades, observou-se um crescimento desorganizado das mesmas. Este crescimento desordenado resultou da ausência de experiência, por parte das entidades competentes, em organizar e planear os meios urbanos, bem como a falta de tradição de planeamento urbanísticos.


As cidades cresceram demasiadamente depressa e de forma desordenada, situação que ainda hoje se faz sentir. A realidade é que em Portugal tudo parece ter acontecido de uma só vez, tal não foi a rapidez com que estas mudanças ocorreram.


Não houve tempo para consolidar uma sociedade urbana industrial que desse depois lugar a uma sociedade de serviços. Em Portugal passamos imediatamente de uma sociedade rural para uma sociedade urbana de serviços, dada a fraca expressão da indústria no nosso país, nunca chegamos a ter, como noutros países europeus, uma sociedade industrial.


De repente, nos anos sessenta, a urbanização, a tercialização e a industrialização aconteceram num curto espaço de tempo. A população abandonou os campos e rumou às cidades, a agricultura passou para último plano, as cidades cresceram desorganizadas, o poder de compra aumentou e com ele a compra de mais carros e casas.


A urbanização sofreu ainda a ausência de experiência e de tradições de planeamento urbano, agravada pela burocracia e pela corrupção. Assistiu-se a uma urbanização desorganizada, sem regras nem planos, muitas vezes sem infra – estruturas de apoio e sem acessos.


Nas cidades multiplicaram-se os prédios suburbanos sem qualidade, as vivendas clandestinas e os inúmeros bairros de lata. Em três décadas foram construídas dezenas de milhar de barracas e de habitações ilegais.


Só muito recentemente os poderes públicos iniciaram planos de destruição destes bairros de lata mas, em relação às habitações ilegais, limitam-se a legalizá-las, mesmo quando estas não apresentam as condições necessárias.


Síntese do artigo: A Sociedade Portuguesa: Um Retrato – António Barreto – Associação Portuguesa de Seguradores, Museu do Oriente, Lisboa, 8 de Outubro de 2008



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A Sociedade portuguesa: um retrato: A demografia nas últimas quatro décadas II




A Sociedade portuguesa: um retrato: A demografia nas últimas quatro décadas II


Nos últimos anos revelaram-se duas tendências devido ao agravamento da crise económica: por um lado, a diminuição da imigração, cujas pessoas se estabelecem por cá, por outro, a retoma da emigração para o estrangeiro, principalmente de pessoas com níveis escolares elevados.


Apesar das grandes mudanças de local de residência, do êxodo rural, da urbanização, da emigração para o estrangeiro e da imigração de estrangeiros para Portugal, a população portuguesa apresenta uma fraca vitalidade demográfica, ou seja, as gerações actuais não têm capacidade de se reproduzirem em quantidades equivalentes.


Nos últimos dez a vinte anos a população portuguesa tem-se mantido nos mesmos valores, apenas sofrendo um ligeiro aumento, mas isto é devido à emigração e à imigração, principalmente de africanos, por terem taxas de natalidade superiores á média nacional. A verdade é difícil de encarar: no futuro, sem imigração, o envelhecimento rápido prosseguirá.


Estas tendências obrigarão o Estado a repensar as suas políticas sociais. Cada política tem consequências na natalidade, no apoio á velhice, na esperança de vida, na reunião de famílias de imigrantes, no regresso dos emigrantes ao seu país e na escolha do local de residência. Porém, em Portugal pensam-se muito pouco estas politicas da população e quando se o faz, é a curto prazo.




A actual situação da população portuguesa exige ideias claras e a longo prazo sobre a politica da população, tanto a nível de planeamento familiar, como nos apoios à natalidade, tanto nas regras de naturalização, como sobre as práticas de legalização de estrangeiros, como nos subsídios às famílias com filhos e nos cuidados prestados aos idosos e apoios a estes.


Em relação aos idosos, sendo Portugal hoje o país da Europa que envelhece mais rapidamente, deverá ter uma atenção especial a esta faixa etária. Desde 2001 que os idosos com mais de 65 anos são uma percentagem superior aos jovens de menos de 15, estando a maioria em situação de reforma. O rácio em Portugal é dos mais elevados: apenas 1, 6 activos empregados a descontarem por cada pensionista.


Também a realidade das pessoas idosas mudou: cada vez mais vivem sozinhos, com as famílias nucleares reduzidas a duas gerações e com a necessidade de ambos, dentro do casal, trabalharem. Os idosos ficam sozinhos em casa ou vão para lares.


Durante anos as políticas tentaram retardar o mais possível a idade da reforma. Depois, sob outra visão, estas políticas baixaram a idade de reforma, visando criar oportunidades de emprego para os mais novos. Actualmente, tenta-se prolongar mais uma vez a idade de trabalho e atrasar a idade de reforma.


No entanto, nunca se tentou pôr em prática uma política mais maleável que tentasse manter activos os idosos que o quisessem e pudesse reformar os que já não se considerassem capazes para continuar qualquer actividade. Esta política permitiria baixar a idade de reforma e dar lugar aos mais novos no mercado de trabalho.


Em suma, ao longo destes quarenta anos, a população pouco aumentou, mas sofreu um acentuado envelhecimento, com o decréscimo muito acentuado do número de nascimentos e o aumento da esperança média de vida.


Passámos de um país de emigrantes para um país de imigrantes, sendo estes os principais responsáveis pela agitação demográfica das últimas décadas a nível nacional.


As famílias numerosas reduziram-se e passaram a ser constituídas essencialmente por pais e filhos, excluindo os avós, votados ao abandono e solidão. O número de casamentos também diminuiu e o número de uniões de facto e divórcios aumentou.


A sociedade sofreu profundas e inegáveis alterações, mas o caminho futuro não se mostra positivo. Com a redução drástica de nascimentos, o saldo natural negativo e o envelhecimento da população não se adivinham boas perspectivas para o nosso país, a não ser que as políticas sociais mudem rápida e eficientemente e alterem este quadro preocupante.


Síntese do Artigo: A Sociedade Portuguesa: Um Retrato – António Barreto – Associação Portuguesa de Seguradores, Museu do Oriente, Lisboa, 8 de Outubro de 2008



Fonte Imagem 1

A Sociedade portuguesa: um retrato: A demografia nas últimas quatro décadas I




A sociedade portuguesa: um retrato: A demografia nas últimas quatro décadas I


Nestes últimos quarenta anos a população portuguesa não aumentou nem diminuiu de forma significativa, mas apresentou oscilações importantes: com pouco mais de 10 milhões de habitantes, o aumento em quarenta anos terá sido de cerca de 12,3%.


No entanto, a estrutura demográfica dos anos 2000 é bem diferente da observada em 1960. Até
1970, por causa da emigração, a população sofreu um decréscimo, mas em meados de 1975 a população sofreu novamente um aumento, com o regresso de muitos portugueses vindos das ex – colónias. A partir de então, a população portuguesa quase que estabilizou.


Contudo, o envelhecimento demográfico tem sido muito rápido e acentuado, a natalidade e a fecundidade baixaram, sendo das mais baixas da Europa, a mortalidade manteve-se em níveis semelhantes, mas a mortalidade infantil decresceu de forma espantosa de quase 80 mil óbitos para 3, 4 mil, constituindo hoje um dos melhores indicadores a nível mundial.



A esperança de vida à nascença aumentou de forma considerável, mas a dimensão das famílias sofreu uma redução, alcançando actualmente uma média de 3 pessoas por família.

O número de casamentos diminuiu, sendo que no ano de 2008, o valor era muito inferior ao de 1960. Aumentaram os casamentos não católicos, mas aumentaram também e, continuam em crescimento, o número de divórcios e de uniões de facto.


Aumentaram também o número de famílias constituídas só por uma pessoa, tendo a parte das famílias numerosas (mais de cinco pessoas) diminuído de quase um quinto do total para cerca de 5 %.


O número de jovens no país sofreu um decréscimo preocupante, passando de quase um terço do total da população para menos de um sexto. Já a proporção de idosos em Portugal que rondava os 8%, ultrapassa agora os 16%, excedendo também o número de jovens no país.


Nos últimos dois anos o número de óbitos ultrapassou o número de nascimentos, e este saldo natural negativo obrigará a um exame sério das actuais politicas sociais.


O número de estrangeiros no país também aumentou fortemente: de pouco mais de 20 mil para quase 500 mil imigrantes. Em 1960 os nossos imigrantes eram maioritariamente europeus, sendo os de hoje, na sua maioria, de origem africana, brasileira e europeus de leste.


Depois de décadas como um país de emigração, Portugal passou a ser um país de imigração. Durante um certo período eram mais os estrangeiros que vinham para o nosso país, que os nacionais que saíam.


Fonte: Imagem 1