quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

A sociedade portuguesa: um retrato: as consequências da rapidez das mudanças


A sociedade portuguesa: um retrato: as consequências da rapidez das mudanças sociais



A rapidez com que as mudanças sociais ocorreram em Portugal teve consequências variadas. Quando certos tipos de mudanças sociais não são previamente planeados, não ocorrem de forma gradual e quando não têm tempo de se consolidarem e sedimentarem, as consequências podem ser muito diferentes do que ocorreria em processos de mudança mais longos.


É o caso da educação. O crescimento demográfico nas escolas e a expansão do sistema fizeram-se sem qualquer tipo de planeamento ou ordenação. A falta de professores qualificados, a ausência de planos de desenvolvimento, edifícios, laboratórios, tradições escolares, meios de transporte e organização da rede escolar.


As escolas superiores e as universidades cresceram muito depressa e foi necessário construir à pressa, contratar docentes, criar instituições e estabelecer “numerus clausus”depois de se depararem com o excesso de alunos.


O resultado foi desastroso: a má qualidade do ensino, cursos e diplomas desqualificados, desperdício de recursos, multiplicação de cursos e instituições, investigação deficiente e defeituosa ligação das escolas à sociedade e às empresas.


As taxas de insucesso e de abandono escolar são muito elevadas em Portugal, os resultados são fracos, colocando os portugueses nos últimos lugares nos inquéritos internacionais.


Outros sectores foram influenciados negativamente pelas mesmas razões como é o caso da Justiça, da Saúde, da Administração Pública Central e Autárquica. A rapidez e a evolução da procura não foi mais rápida que a qualidade e rapidez da oferta. É raro o sector da vida colectiva onde os cidadãos não têm de esperar para ser atendido, ou ver os seus processos, pedidos e requisições arrastarem-se por anos nas instituições.


Curiosamente, nem podemos alegar falta de recursos humanos e profissionais, uma vez que na educação há mais professores por aluno que na maioria dos países europeus.


Na saúde pública o número de médicos ronda as médias europeias e é superior aos de outros países com excelentes serviços de saúde pública. Na Justiça, o número de magistrados e outros profissionais é superior ao de muitos países europeus.


Portugal tem uma evidente e grave falta de organização e de eficiência nos serviços que presta! Enquanto os recursos humanos, mais que suficientes, não se organizarem e começarem a prestar um bom serviço aos cidadãos, os nossos serviços públicos figurarão sempre nos últimos lugares das médias europeias.


A realidade é que o país se encontrava demasiado atrasado face à Europa e de repente ultrapassou passos importantes, teve uma evolução demasiado rápida para o que estava preparado.


Acreditamos que ainda estamos a tempo de reorganizar a saúde, a educação e a justiça, agora que o ritmo de modernidade abrandou é tempo de reorganizar modificar o sistema na tentativa de o tornar mais eficaz e útil para a satisfação dos seus cidadãos e do próprio país.



Síntese do artigo: A Sociedade Portuguesa: Um Retrato – António Barreto – Associação Portuguesa de Seguradores, Museu do Oriente, Lisboa, 8 de Outubro de 2008
Fonte: Imagem

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

A sociedade portuguesa: um retrato: igualdade e conflito II


A sociedade portuguesa: um retrato: igualdade e conflito II



Com as mudanças no universo feminino, da entrada da mulher na vida activa, o direito ao voto e ao divórcio, a igualdade face ao homem perante a lei vieram também tantas outras transformações. Uma sociedade anteriormente patriarcal, dominada pelos homens, acabou por se abrir ao mundo das mulheres e da sua influência e capacidade.


A pílula foi uma das grandes influências para esta liberdade feminina, com ela, as mulheres passaram a poder controlar a sua natalidade e alcançaram a liberdade sexual em igualdade com os homens. As mulheres estão cada vez mais autónomas e a conquistar o seu lugar num mundo anteriormente masculino.


Um clima permissivo está criado: a cultura jovem instalou-se e os divertimentos nocturnos têm lugar de destaque. Em qualquer parte do país, interior ou litoral, cidade ou campo, os bares e discotecas proliferam e estão acessíveis a todas as pessoas.


O novo papel das mulheres e dos jovens alterou por completo as relações familiares.
Os jovens foram os mais beneficiados com estas mudanças, já nasceram numa época de prosperidade e liberdade. Desconhecem o que era o país há 30 anos atrás. Actualmente podem votar e atingem a maioridade aos 18 anos. Não precisam de ir para a tropa, nem tão pouco para a guerra e usufruem da escola durante muito tempo.


Adquiriram uma nova posição na sociedade e na família. Falam aos adultos, em geral, com menos reverência que no passado e põem constantemente a autoridade dos pais em causa. As refeições que, no passado, eram o momento de reunir a família deixaram de o ser.


Os almoços de família não existem, pois os pais trabalham fora e os jantares muitas vezes não se proporcionam, porque os filhos ficam até mais tarde com os amigos ou porque, mesmo em casa, estão entretidos com a televisão, a internet ou os jogos de computador.


O desenvolvimento da classe média esbateu os excessivos contrastes entre classes sociais. Nas últimas décadas a vida de todas as classes melhorou, em geral, mas não podemos negar que a diferença entre pobres e ricos, em Portugal, é a maior de toda a Europa e tem aumentado.


Em relação aos movimentos sociais, hoje são realmente pouco visíveis. Nos primeiros anos da democracia a situação politica e social favoreceu o aparecimento de conflitos e tensões sociais que desembocavam em manifestações, protestos, paralisias, cortes de estradas, ocupações de casas, empresas e propriedades.


Dos anos oitenta em diante estas reivindicações e conflitos diminuíram. As greves, geralmente limitadas ao sector público, são hoje raras. A insegurança face á crise económica, a maior facilidade de despedimento, a privatização das empresas e a concorrência dos imigrantes estrangeiros contribuem muito para a redução da conflitualidade.


Os sindicatos e organizações sociais têm hoje menos força e são menos combativos que há trinta nãos atrás. Também o número de trabalhadores sindicalizados é muito inferior. A realidade é que em muitas empresas os trabalhadores e a entidade patronal chegam a acordo, o que evita qualquer espécie de conflito conducente a greves ou manifestações de outro cariz.


É também inegável que continua a existir um clima de desconfiança entre classes e o mais poderoso factor de desigualdade é o favoritismo e o desprezo pelo mérito. O atraso económico e a ditadura fizeram com que chegasse até nós a sensação que todos se conhecem e que todos trocam favores entre si.


O desenvolvimento de clientelas partidárias substituiu o antigo favoritismo. A confiança politica, como critério de nomeação de altos funcionários e de postos de chefia alimenta este clientismo.


A corrupção nas instituições é evidente mas a burocracia e os métodos antiquados de gestão não ajudam a que esta termine. Formalmente estão criados os mecanismos para evitar esta situação, mas a sociedade e a politica sempre souberam virar o jogo a seu favor e o sistema judicial contribui poderosamente para que este sistema de favoritismo e compadrios se mantenha.


Há quarenta anos a autoridade não se discutia, fosse ela do pai, do patrão, do professor, do padre ou do marido. Quem tinha poder exercia-o e era obedecido, nem que fosse pela força.


Houve um nítido progresso nas liberdades individuais dos portugueses e na igualdade social. Mas continuam a existir factores de desigualdade muito fortes e que precisam de ser resolvidos ou atenuados. Afinal, há ainda tanto que fazer neste país. As elites são incultas e incompetentes, a sociedade civil é fraca e o desânimo começa a ser generalizado. Há ainda muito que mudar, sem deixar abrandar o ritmo de mudança que se iniciou há umas décadas atrás. Portugal e os portugueses assim o esperam!


Fonte: A Sociedade Portuguesa: Um Retrato – António Barreto – Associação Portuguesa de Seguradores, Museu do Oriente, Lisboa, 8 de Outubro de 2008



A sociedade portuguesa: um retrato: igualdade e conflito I


A sociedade portuguesa: um retrato: igualdade e conflito I


É inegável que de 1960 até agora vivemos um período de desenvolvimento. Foram quarenta anos nos quais todas as classes sociais viram melhorar o seu conforto e a sua qualidade de vida.


O rendimento médio das famílias aumentou seis vezes, as mulheres começaram a trabalhar fora e todos passaram a comer melhor. Embora a crescente crise económica tenha tendência a alterar esta situação, a realidade é que, até então, muitos portugueses passaram a viver melhor.


No princípio dos anos 60 muitas pessoas passavam ainda fome e não são raros os relatos que nos chegam de uma pobreza generalizada nas famílias, maioritariamente numerosas, as quais comiam essencialmente pão ou produtos que produzissem nas suas hortas.


A carne era inacessível e o peixe consumia-se do mais barato e com muita sorte apenas uma vez por semana. Era frequente as crianças e os adultos consumirem álcool logo de manhã, pois era uma fonte de calorias para trabalhar em lugares que exigiam um elevado esforço físico.


Para os trabalhadores rurais a principal refeição do dia era uma espécie de sopa espessa, ou rancho acompanhado com broa ou outro pão. O leite não era um produto acessível a todos, com excepção daqueles que possuíam animais e daí retiravam o seu leite.


Nesta época mais de metade das casas não possuíam sistema de esgotos, tão pouco electricidade ou sanitários ou água canalizada. Em média, uma em cada cinco casas tinha banho e dois terços do total não tinham água canalizada.


De 1970 a 1990 muitos foram os esforços engendrados pelo Estado e pelas autarquias na construção destas infra – estruturas. Actualmente, a maioria das pessoas tem água, luz, gás e casa de banho.


Com a melhoria das condições de vida também o uso dos electrodomésticos se generalizou. Primeiro apareceu a televisão, o fogão, o telefone e o frigorifico. Depois, o aquecimento, a arca frigorifica, a máquina de lavar roupa, a aparelhagem de som e o aspirador. Mais tarde o computador, o vídeo e leitor de DVD, a máquina fotográfica, a máquina de lavar louça e o microondas.


Actualmente dois terços das famílias têm automóvel e são proprietárias da casa onde vivem. Nos anos setenta esta percentagem era uma minoria. Nos anos 70 mais de metade do orçamento era para alimentação, hoje é cerca de 20 a 30% sobrando mais dinheiro para outros gastos de consumo como o vestuário, a habitação, a educação e a cultura.


É contudo, inegável, que o que as famílias hoje gastam por mês é bem superior aos seus rendimentos. As poupanças familiares foram diminuindo, o consumo foi crescendo, estimulando o crédito fácil. Isto foi conducente ao endividamento das famílias, o que constitui um problema grave para a sociedade.


Nestas últimas décadas assistiu-se à criação de uma sociedade de consumo. Construíram-se centros comerciais e grandes superfícies que recebem por dia milhões de pessoas.


Também foi nesta altura que muitos portugueses começaram a fazer férias fora de casa. Primeiro em Portugal, depôs na Europa e também noutros continentes. Longe vão os tempos em que uma percentagem significativa da população nunca tinha visto o mar. Mas esta possibilidade só chegou com a modernização dos costumes e a melhoria das condições económicas dos portugueses.


A abertura ao mundo trouxe cultura, aumentou a oferta e cresceu o público, acabou a censura. Por todo o país sucedem-se os concertos de música, a televisão tirou o público dos cinemas, no teatro assistiu-se à proliferação das Companhias de teatro, bem como as sessões teatrais, mas em contrapartida quase se deu o desaparecimento do teatro de revista.


Os museus continuam a ser pouco frequentados, mas por outro lado, os espectáculos de música clássica aumentaram, bem como o número de espectadores. Em relação à leitura, Portugal continua a apresentar baixos índices de leitura de livros e jornais. Há mais títulos hoje, mais traduções e mais edições de jornais que há trinta anos atrás, mas as tiragens continuam muito reduzidas com excepção dos jornais desportivos e da imprensa dita “cor-de-rosa”.


Ao contrário dos países europeus, em Portugal a leitura não faz parte da cultura popular. Em média, um português lê um livro por ano. Felizmente, este fenómeno também está a mudar e, embora os grandes mestres da literatura não sejam os eleitos da população, a realidade é que se começa a ler cada vez mais no nosso país.


Esta realidade é, contudo visível, essencialmente a uma parte da classe média e da classe alta. O meio de comunicação, por excelência, em Portugal, continua a ser a televisão. Em média, cada português vê 4 horas de televisão por dia, um número bastante superior à média europeia. É o meio de comunicação favorito de todas as classes sociais, sem excepção.


Fonte: A Sociedade Portuguesa: Um Retrato – António Barreto – Associação Portuguesa de Seguradores, Museu do Oriente, Lisboa, 8 de Outubro de 2008

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

A Sociedade Portuguesa: Um retrato – uma sociedade onde paira a incerteza



A sociedade Portuguesa: um retrato – uma sociedade onde paira a incerteza


Portugal assistiu a um forte crescimento económico nas décadas de sessenta e setenta que criou oportunidades únicas e foi conducente à criação de empresas e negócios. Estas empresas cresceram, contudo, sem bases suficientes de capital, tradição, experiência, organização de produção, regras de comportamento entre patrões e empregados, contribuindo para que este crescimento económico assentasse, essencialmente, na mão-de-obra barata.


Portanto, perante um período de crescimento económico, a nação não perde os seus valores, mas as mudanças sociais foram visíveis e inegáveis. Prevalece, contudo, um espírito tipicamente português, bastante prejudicial: o sentimento de atraso face a outros países europeus; a obsessão com a comparação com outros povos mais desenvolvidos; a sensação que Portugal foi noutros tempos um grande país e uma nação muito desenvolvida, a sombra eterna dos descobrimentos portugueses.


Dos anos sessenta aos noventa, as mudanças foram muitas e positivas. Portugal melhorou e cresceu. No entanto a partir de meados da década de noventa, surgiram regressões, estagnações, abrandamento e esgotamento e o sentimento geral da população é agora de desânimo face ao marasmo em que o país se encontra, sem perspectivas de futuro e com um presente cada vez mais difícil.


Quem conheceu tempos melhores e viveu ritmos de progresso significativos sente-se agora ameaçado pelo abrandamento e estagnação do país, tendo receio de perder o que alcançou. O sentimento de incerteza face ao futuro do país é cada vez maior e gera um desânimo generalizado.


Realmente, se nos compararmos com grande parte dos países europeus, recuperámos bastante o atraso, mas continuamos ainda muito longe de adquirir o bem – estar dos mesmos. Este atraso pode e tem tendência para aumentar: continuamos a ser um país pequeno e periférico, cheio de oportunidades desperdiçadas.


Os portugueses caíram num estado de desânimo. Muitos viveram trinta ou quarenta anos muito positivos, durante os quais tudo mudou e melhorou. Outros já nasceram depois da década de sessenta, a maior parte nunca terá ideia real das mudanças que o país atravessou. À euforia do crescimento, seguiu-se a dúvida sobre um futuro cada vez mais incerto.


A estabilidade social e económica era quase que um dado adquirido. Vivia-se e morria-se onde se tinha nascido, pobre, rico ou classe média, a imutabilidade da condição de vida era quase garantida. A expectativa era de viver como se tinha nascido, como eram os seus pais e os seus avós.


Já não se passa o mesmo. A economia, a concorrência, as comunicações, as infra – estruturas e a democracia destruíram estas certezas. Desenvolveu-se a mobilidade social e espacial.


Actualmente a segurança perdeu-se. Ninguém está seguro do seu emprego, da sua habitação ou dos seus bens. Ninguém sabe como será a velhice, quanto serão as reformas e quando, nem sequer se as reformas estão completamente asseguradas para as sucessivas gerações que se forem reformando.


Em suma, cresceu a dúvida e a incerteza face ao futuro do país e as perspectivas não são as melhores. Depois de décadas de crescimento o país tem assistido a um marasmo geral e até um acentuado abrandamento do crescimento outrora observado. A descrença num futuro melhor é geral. Apesar disso os portugueses continuam a querer estar equiparados aos países mais ricos. A falta de estruturas para tal é que é um grande entrave e, mais uma vez, o sentimento de incerteza cresce.



Síntese do artigo: A Sociedade Portuguesa: um retrato, de António Barreto – Associação Portuguesa de Seguradores, Museu do Oriente, Lisboa, 8 de Outubro de 2008



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