quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Os Direitos das Crianças em Portugal


2 – Os direitos das Crianças em Portugal


A emergente preocupação com os cuidados na infância surgiu de uma forma definitiva nos finais do século XIX, tendo em conta as mudanças que se verificaram após a Revolução Industrial, uma vez que foi também uma consequência da Revolução Industrial a emergência de um novo problema social: a exploração do trabalho infantil, principalmente entre as camadas mais pobres da população.


Com o final da I Guerra Mundial foi aprovada em 1924, pela 5.ª Assembleia da Sociedade das Nações, a Carta da União Internacional de Protecção à Infância, conhecida como Declaração de Genebra. No entanto, só após o final da II Guerra Mundial é que se começa a notar uma maior preocupação com estas questões, passando a haver uma maior intervenção real, nomeadamente através da criação de vários organismos, entre os quais o Fundo Internacional de Socorro à Infância, (UNICEF), em 1947. No ano seguinte, 1948, é aprovada a Declaração Universal dos Direitos do Homem.


Onze anos depois, a 20 de Novembro de 1959, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprova a Declaração dos Direitos da Criança mas só em 1989, as Nações Unidas avançam realmente em matéria de infância, com a aprovação da Convenção dos Direitos das Crianças.


Portugal, apesar do seu pioneirismo ao ser um dos primeiros países a aprovar uma Lei de Protecção à Infância em 1911 (na sequência da acção renovadora, com a implantação da República), só na revisão constitucional de 1976, e após a Revolução do 25 de Abril, são pela primeira vez consagrados na Constituição da República, como direitos fundamentais, a Infância (art.º 69) e a Juventude (art.º 70).


No entanto só nos anos 90 é que começaram a surgir políticas sociais com vista à protecção e acompanhamento das situações de infância e juventude. Assim, em 1990, Portugal ratificou a Convenção dos Direitos da Criança; em 1991, foram criadas as Comissões de Protecção de Menores; em 1995, foi extinta a Direcção Geral dos Serviços Tutelares de Menores que deu lugar ao Instituto de Reinserção Social; finalmente, em 1999, verificou-se a última grande Reforma do Direito de Menores, com a redacção do diploma legal de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.





Só nesta altura o Estado assumiu realmente a responsabilidade sobre as crianças ao nível da sua educação, formação e desenvolvimento social, que deveria ser incutida aos progenitores, mas que passou a ser apoiada pelo Estado.



Muita coisa mudou em Portugal desde a proclamação da Convenção dos Direitos da Criança. Estas mudanças foram muito morosas e atrasadas por um longo período ditatorial. Por exemplo, há 25 anos os Direitos da Criança eram uma coisa vaga de que pouco se falava. Havia a Declaração dos Direitos da Criança mas não passava de um enunciado de intenções que todos os Estados aceitavam, mas que não tinha carácter vinculativo.


A sensibilidade para as necessidades especiais das crianças e a sua crescente protecção foi crescendo progressivamente. Actualmente há uma maior sensibilidade para os direitos das crianças a nível nacional. A situação das crianças evoluiu muito nas últimas décadas principalmente em termos da saúde: as taxas de vacinação aumentaram consideravelmente, a assistência durante a gravidez e o parto melhorou significativamente, bem como se verificou um aumento muito grande na taxa de escolarização das crianças.


Continuam, contudo, a existir muitos problemas relacionados com a pobreza e com a exclusão social que se reflectem no modo como as crianças são tratadas, em situações de violência ou no abandono escolar que no nosso país é muito elevado. Há também novos problemas decorrentes do evoluir da sociedade, como o consumo de drogas ou a desestruturação familiar que começam a merecer nova e especial atenção por parte das entidades competentes.

Vinte anos da Convenção dos Direitos das Crianças


Comemora-se este ano o vigésimo aniversário da Convenção dos Direitos da Criança. Um importante documento que contribuiu bastante para a evolução do cumprimento dos direitos das crianças, mas que merece uma reflexão sobre a sua aplicação.

1 – Balanço da Convenção dos Direitos da Criança


Vinte anos depois da Convenção dos Direitos da Criança há que fazer um balanço dos resultados deste documento no mundo. A nível global, apesar das muitas melhorias registadas, a Unicef afirma que ainda existem cerca de metade das crianças no mundo vítimas de injustiça. A muitas faltam ainda coisas tão básicas como o acesso a uma alimentação saudável, saneamento básico, habitação condigna, acesso à educação e à saúde ou água potável entre outras necessidades básicas.


Em 1948 fez-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos que proclamava como máxima a igualdade de direitos e liberdades para todos. Segundo esta declaração, a igualdade de todas as pessoas é válida “ sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião pública ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição.”


No entanto, nesta declaração foi esquecido um factor: a idade! Por esse motivo, em 1989 reformulou-se a Declaração Universal de modo a abranger todas as pessoas com menos de 18 anos, que representam mais de um terço da população mundial. Na altura, foi aprovada na Assembleia Geral das Nações Unidas a Convenção sobre os Direitos da Criança.


A existência desta Convenção justifica-se pelo facto de as crianças não serem adultos, não poderem fazer tudo o que os adultos podem, nem tomar decisões, nem agir por elas próprias, precisando assim de protecção especial. Essa protecção às crianças é da responsabilidade dos adultos. Por esse motivo é necessário consagrar direitos próprios às crianças e garantir que sejam respeitados.


Nos cinquenta e quatro direitos da Convenção dos Direitos da Criança encontram-se, pela primeira vez, direitos políticos civis, culturais, económicos e sociais em acordo válido com o direito internacional. A Convenção garante aos menores de 18 anos o direito à sobrevivência, ao desenvolvimento e à participação na sociedade.


Esta foi também a Convenção mais ratificada pelo maior número de Estados (com excepção dos EUA e da Somália) desde a fundação da ONU em 1945. Na prática, a sua aplicação tem sido bastante desigual. Actualmente é considerado crime, sujeito a pena, as crianças – soldados, o abuso sexual, a exploração do trabalho infantil, o tráfico humano e a prostituição infantil, problemas que ainda estão longe de ser resolvidos.


A violação dos direitos das crianças agrava-se em países subdesenvolvidos, onde os direitos humanos não são cumpridos na íntegra. Portanto, apesar de existir ainda muito por fazer na protecção ás crianças, principalmente em países subdesenvolvidos, a Convenção permitiu alcançar uma maior luta pela igualdade e pelo respeito da criança.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

A falta de médicos de Geriatria em Portugal V


5 – Geriatria e Gerontologia: o que são?


A Geriatria e a Gerontologia são campos científicos e profissionais vocacionados para o envelhecimento e para o idoso. A Geriatria, dedica-se à análise e à procura de soluções para todos os problemas que digam respeito à Saúde das Pessoas Idosas, de o modo a preservá-la e a prevenir o aparecimento da doença.
Quando a doença aparece o objectivo da Geriatria é descobri-la o mais cedo possível, tratá-la precocemente e reduzir ao mínimo as suas consequências. Quando, finalmente, não é possível a cura ou a reabilitação, e o envelhecimento e a doença seguem o seu curso inevitável e inexorável, a Geriatria presta os melhores cuidados paliativos nas fases terminais da vida.

A Geriatria é também um dos ramos da Gerontologia, ciência que estuda e se dedica ao envelhecimento do ser – humano. Empenha-se assim a investigar e conhecer todos os efeitos do tempo no ser – humano, em geral. Procura também dar resposta aos mais diversos problemas tais como: quando e como se envelhece, quais os efeitos do envelhecimento das populações sobre a economia, sobre a politica ou sobre a sociedade em geral.

Enquanto a Medicina Interna, essencialmente organicista, está vocacionada para a doença, a Gerontologia/Geriatria estão vocacionadas para o Idoso, para o Idoso – Doente e para as doenças que o Idoso tem; estão vocacionadas para a manutenção da Saúde, da felicidade do idoso e do seu bem – estar porque, para o geriátra, é mais importante o doente que a doença.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

A falta de médicos de Geriatria em Portugal IV

Fonte da imagem


4 - Portugal: um país a envelhecer


Não é novidade que o país está a sofrer um envelhecimento populacional. O envelhecimento é um processo natural e uma realidade do nosso século. A concomitante diminuição da fertilidade tem contribuído de forma acentuada para que a proporção do número de idosos seja cada vez maior e continue a aumentar.



Embora cada vez mais observemos um envelhecimento activo, é inegável que o processo de envelhecimento biológico pode trazer consigo determinadas doenças e falência física que necessitam de cuidados especiais. Não se trata uma pessoa idosa, a nível de cuidados de saúde, da mesma forma que se cuida de um adulto.



Pessoas com 65 anos ou mais são consideradas idosas. O envelhecimento populacional é entendido como a existência de um maior número de pessoas a alcançar ou a passar os 65 anos, associado a um decréscimo dos nascimentos que conduz à existência de um maior número de população com 65 ou mais anos face á população jovem ou adulta existente numa sociedade.



Fonte da imagem

Assim, é urgente que os Cuidados de Saúde apostem cada vez mais na formação de pessoas nos cuidados básicos aos idosos, não só a nível curativo, mas também preventivo, paliativo e de reabilitação, uma área da Medicina com graves falhas no nosso país.


Reconhecer o envelhecimento como um processo contínuo e não como uma doença e intervir de forma segura e atempada na promoção da saúde da população constitui um desafio para todos os profissionais de saúde e para os médicos de clínica geral, em particular.


No entanto, os grandes sintomas geriátricos como demência, desnutrição, entre outras, necessitam de atenção especial e de pessoal competente e especializado nesta fase da vida do ser – humano, pois não se pode tratar da mesma maneira um paciente idoso e um paciente jovem.
È o caso da polimedicação. Um idoso pode tomar cerca de sete medicamentos diferentes por dia. Há a necessidade do médico saber prescrever esta medicação, atentando ao estado geral de saúde do idoso bem como às consequências desta interacção medicamentosa.


Se é dado adquirido que também Portugal esta a sofrer um envelhecimento populacional e que os idosos possuem necessidades especiais, porque razão, em Portugal, há ainda tantas falhas na Medicina no que toca a tender as necessidades desta faixa etária?


segunda-feira, 19 de outubro de 2009

A falta de médicos de Geriatria em Portugal III


3 - Especificidades do idoso e do idoso – doente


Temos de ter em consideração que idoso é um ser humano diferente da criança e do adulto porque:

1- O idoso progressivamente perde capacidades, os seus reflexos, a cinética fisiológica, a percepção, o entendimento e a capacidade de a comunicar:

2. Perde a capacidade de adaptação a novas situações;

3. Ganha aversão às mudanças, , principalmente à mudança de ideias, o que pode condicionar a temível neurose de carácter.

4. È frequente sofrer de disfunção afectiva, necessitando de atenção especial e acompanhamento psicológico e emocional;


O idoso – doente apresenta também algumas características especiais que mereciam ser acompanhadas de forma particular por equipas médicas competentes.

- A perda de autonomia e de independência, factos que lhe provocam uma debilidade emocional superior a qualquer outra pessoa devido ao elo fragilizado existente entre o idoso, a sua família e a sociedade.

- A tendência para a cronicidade e para a invalidez, situações que não encontram a solução na medicina interna, mas beneficiam dos cuidados geriátricos;


- Tem maior necessidade de reabilitação cujos resultados são mais demorados.

- O Idoso vive as suas doenças para além da biofísica, em comportamentos perturbados com perspectivas de morte eminente, numa vivência de medo e de ansiedade.

Também a doença se manifesta de forma diferente na pessoa idosa:

1. Os idosos têm sintomatologia de doença lenta, de frágil expressão e, por isso, dificultam o diagnóstico.
2. São múltiplas.
3. Dificultam e limitam a terapêutica.

Na terapêutica há condicionalismos ligados às especificidades do idoso, O tratamento farmacológico no idoso é uma mínima possibilidade terapêutica; tratar a doença sem abordar o conflito psíquico é prolongar a farmacoterapia. A patologia do idoso nunca é redutível ao biológico, nem ao psicológico, nem ao social; trata-se de um conjunto de sintomas de englobam perturbações psico-sociais, perturbações funcionais, doenças somáticas, alterações psiquiatras entre outras.


Em suma, não podemos de todo querer tratar de uma pessoa idosa da mesma forma que tratamos de um adulto saudável. Os cuidados de saúde a prestar ao Idoso terão de ser específicos, globais e completos, continuados e personalizados, e deverão dirigir-se não só à prevenção no diagnóstico do adoecer, ao tratamento, à reabilitação e à sua reinserção na família e na comunidade, mas também a uma informação e educação psicoterápicas que o conduzam à reaprendizagem de ser saudável e feliz.


sexta-feira, 16 de outubro de 2009

A falta de médicos de Geriatria em Portugal II



2 - A Geriatria é necessária?

Porque razão se torna urgente a especialização de médicos em geriatria? O envelhecimento levanta problemas muito diferentes e muito mais complexos que noutras idades. Por exemplo, na pessoa idosa a doença raramente surge isolada, ao contrário do que acontece, por regra, noutras idades, em que o habitual é existir apenas uma doença sem coexistirem outras doenças de outros órgãos, nem outras incapacidades. Nos idosos a regra é coexistirem múltiplas doenças e incapacidades no mesmo indivíduo. È também frequente no idoso a doença aparecer de um modo completamente diferente, por vezes de modo silencioso e as suas consequências serem também mais graves. Não raras vezes conduzem aos mais diversos graus de incapacidade.


Assim, a geriatria torna-se necessária e imprescindível devido ao explosivo envelhecimento da populaça. Este envelhecimento deveu-se à diminuição da fecundidade e consequente diminuição da natalidade e ao aumento do número de idosos cada ano com mais anos. A intervenção da Medicina Interna e doutras valências médicas foi fulcral neste prolongamento da esperança média de vida, contudo, estes ramos da medicina esqueceram-se e não se responsabilizaram pela qualidade de vida destas pessoas.

Toda esta complexidade ocasiona abordagens terapêuticas complexas não sendo raro que os idosos se encontrem a tomar um elevado numero de medicamentos, prescritos por diversos médicos ou até a tomarem medicamentos não prescritos, comprados livremente, o que faz surgir uma nova doença, não exclusiva nas pessoas mais idosas, mas sem duvida muito mais frequente neste grupo etário. Ora, as especificidades des
te grupo etário exigem a existência de médicos dedicados apenas a estas pessoas e com experiência em tratar e diagnosticar estes pacientes.


A Geriatria é uma área da medicina multidisciplinar e interdisciplinar uma vez que o geriátra tem de trabalhar com profissionais de outras Especialidades médicas ou de outras áreas profissionais a fim de acompanhar a pessoa idosa com a maior precisão possível e prestar-lhe todos os cuidados necessários.


A realidade é que só as ciências que estudam o envelhecimento estão aptas para, sem amadorismos, cuidarem do idoso, prevenirem-lhe as doenças e tratarem-nas, estando assim não só vocacionadas para a pessoa idosa, mas para a pessoa idosa – doente. Porque razão então em Portugal não há médicos formados em geriatria se é uma área tão importante?

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

A falta de médicos de Geriatria em Portugal




Apresentamos um texto composto por cinco pontos acerca da importância da Geriatria em Portugal e da enorme falha que existe na ausência da formação de profissionais de saúde nesta especialidade. Porque importa reflectir sobre esta matéria.

1 - A falta de profissionais de saúde em Geriatria

Apesar de existirem cada vez mais idosos em Portugal, estes são tratados comummente pelos seus médicos de família, uma vez que não existe uma especialidade ou sub – especialidade em Geriatria na medicina portuguesa. O que existem são médicos que têm um grande interesse por este grupo de doentes, mas não chegam o que torna premente a necessidade de resolver esta situação devido ao crescente envelhecimento da população.


Os idosos são um grupo específico, com aspectos funcionais especiais do funcionamento dos seus órgãos que não podem ser tratados como um adulto saudável. A formação em geriatria torna-se fundamental, uma vez que para tratar deste grupo de doentes é necessário que os médicos possuam gosto especifico para lidar e tratar do idoso, reforçando a formação e o conhecimento na fisiologia e fisiopatologia da pessoa idosa, assim como o conhecimento no tratamento especifico destes doentes.


Contudo, apesar desta tendência para o envelhecimento populacional, nenhuma Faculdade de Medicina tem como formação obrigatória a geriatria e aquelas que a têm, funciona como cadeira opcional ou de mestrado ou pós – graduação. Poderão surgir agora duas Faculdades com uma cadeira na área de Geriatria incluída no curso de Medicina, mas é insuficiente.


Além desta grave lacuna, em Portugal a classe médica não se entende sobre se se deve criar uma especialidade em geriatria ou se esta poderia ser um ramo da medicina interna ou da medicina geral e familiar.



Esta formação em geriatria é muito importante, uma vez que vai permitir aos médicos aprender como se manifesta uma doença num idoso, isto porque, por vezes, os efeitos em doentes mais velhos são diferentes dos que estão descritos nos livros e da forma como se manifestam num adulto.


Por outro lado, esta formação vai permitir tratar e medicar a pessoa idosa. O idoso tem várias doenças e está, geralmente, polimedicado. O médico tem de compreender o historial clínico do paciente idoso para o medicar convenientemente, sem consequências de intermedicação e sem consequências para o paciente, pois ao tratar uma doença pode ajudar a agravar outra. Há também a questão psicológica. O paciente idoso está mais fragilizado, necessitando assim, de uma atenção especial e de um acompanhamento diferente por parte do médico.


È urgente apostar na Geriatria em Portugal, uma vez que tal como muitos outros países desenvolvidos, apresentamos tendência para o envelhecimento populacional. A medicina tradicional permitiu-nos a longevidade mas não abrange o bem – estar e a qualidade de vida que esse aumento da longevidade pode diminuir. Por isso a criação de uma área na medicina que inclua a geriatria é importante e permitirá aos cidadãos idosos ter os cuidados necessários e adequados de saúde, bem como, o bem – estar de que necessitam para ser felizes.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Religiões e Globalização



A ciência das religiões tem-se tornado cada vez mais actual, uma vez que o desconhecimento sobre o fenómeno religioso tem levado à emergência de fanatismos, de fundamentalismos e de múltiplos apelos à racionalidade e ao uso da violência.


É impossível conseguir compreender a diversidade cultural e fomentar o diálogo entre civilizações sem compreendermos e conhecermos a fundo as suas religiões e a sua história. Actualmente deparamo-nos, muitas vezes, com a dificuldade em compreender alguns conceitos religiosos fundamentais e a razão de ser de muitos fenómenos sociais e históricos, cujas raízes se encontram na religião.


A ignorância face à essência das religiões pode ter graves consequências na sociedade, uma vez que impede que se compreendam as razões de determinados conceitos, símbolos e fenómenos que caracterizam a vida humana. Abrem ainda caminho a perigosas simplificações que favorecem o desrespeito, a intolerância e a indiferença.


O uso da violência sob invocação religiosa e o fanatismo são fenómenos preocupantes que emergem nas sociedade humanas muitas vezes devido ao chamado vazio religioso, isto é, quando os mistérios e o limite da razão se deparam com questões sem explicação ou com perspectivas fechadas e intolerantes para as quais não encontram explicação.


Em suma, por um lado, a cegueira e o fanatismo religioso, por outro, a irredutibilidade e a indiferença sobre o fenómeno religioso, ambos geram incompreensão mútua e a necessidade de ter respostas para as angústias e para as dúvidas existenciais da vida.


Podemos então falar de religiões e globalização, uma vez que compreender o outro e a sua cultura obriga a que se conheça também a sua religião, a sua história e os seus símbolos. Só esta compreensão poderá levar a um clima geral de paz e desenvolvimento.


A separação entre a Igreja e o Estado foi realmente uma vitória da época moderna, por contraponto às teocracias, adquirindo o que podemos chamar de laicismo religioso, isto é, a separação da esfera religiosa da política. Assim, pretende-se que nas sociedades actuais exista uma convivência pacífica entre diferentes pessoas e formas desiguais de viver e pensar.


Este laicismo pode apresentar também um lado negativo, uma vez que pode ser conducente à desvitalização da sociedade, à descaracterização das identidades e a uma grave fragilização dos factores de unidade e coesão, visto que, este sentimento de união e identidade tem origens religiosas e a repressão artificial pode conduzir á intolerância e á fragmentação social.


Por exemplo, o calendário cristão tem como base as referências temporais que vêm das calendas romanas e que encontram as suas raízes mais profundas nas culturas mediterrâneas da antiguidade. A religião islâmica funda-se na releitura das religiões judaica e cristã. As várias tentativas, após a Revolução Francesa, de criar uma nova era e um novo calendário não vingaram por não serem assumidas pelos cidadãos comuns ligados às tradições culturais e religiosas.



Portanto, quando falamos de laicidade, devemos referir que a laicidade é a preservação da autonomia individual, o respeito mútuo pela liberdade de pensamento e de crença e pela liberdade religiosa, fomentando o diálogo multi – cultural e aceitando o pluralismo de opções e convicções.


Assim, a laicidade caracteriza-se pela capacidade de entender o fenómeno religioso como fenómeno humano, a diversidade religiosa, as suas raízes e a exigência de intercâmbio entre culturas e religiões como condição essencial para a paz, evitando assim o choque de civilizações, cada vez mais real, reservando-nos surpresas de intolerância e violência onde menos se espera.



A realidade é que as religiões serão o grande problema deste século. Basta olhar para os actuais teatros de conflito e para a sua etiologia para percebermos que no pano de fundo de todos os conflitos estão questões religiosas e de diversidade cultural, misturadas com o acesso e disputa por matérias – primas. É por esta razão que a questão religiosa não pode ser desvalorizada e deve ser considerada como campo essencial de procura de elementos susceptíveis de unir a humanidade.


É necessário, para manter o clima de paz, fazer um esforço de compreensão religiosa, como factor de coesão dos povos. É assim, fundamental, alargar o espaço inter – religioso de modo a favorecer a compreensão de identidades abertas, ao invés de votar à indiferença e à ignorância todos os outros fenómenos religiosos. Neste ponto, a religião aparece ligada à globalização, pois ela pode ser foco de união entre os povos, mediante uma compreensão mútua dos diversos fenómenos religiosos dos mais diversos povos e culturas.


A emergência de fenómenos de intolerância e fanatismo parecem contradizer esta ideia, no entanto, é fundamental integrar a liberdade religiosa, o conhecimento dos fenómenos religiosos e o reconhecimento, numa perspectiva de respeito, pelas outras religiões perspectivando a paz mundial. Em suma, a globalização humana capaz de conciliar a coesão e a diferença, a regulação e o conflito, prevenindo a incompreensão e a fragmentação é também a globalização religiosa.


Humanizar a globalização, contrariar a tendência uniformizadora e a harmonização que anula as diferenças e não as respeita, considerar a liberdade e a justiça como elementos estruturantes da mundialização obrigam a pensar a globalização como um fenómeno constituído por diversas identidades que se afirmam, respeitando outras identidades como garante de estabilidade e paz entre os povos.


Fonte